domingo, 26 de dezembro de 2010

Pingo é frase.

Sacudiu as lembranças da viagem que acabara de abortar, pegou uma taça de vinho do porto e se largou na velha poltrona de sempre, em busca de algum aconchego desconhecido que recorria a sempre que lhe faltava segurança para só continuar respirando e esperando a vida passar sem maiores turbulências.
Fazia e procurava suas próprias turbulências então foi fazer jus a si.
Se debruçou no encosto do sofá, pegou o velho notebook guardado na maleta, cuidadosamente apertou os conhecidos botões, com aquele suspense de descoberta.
Martelava a própria cabeça com as advertências da cartomante: "Formigas é mudança", "Então a moça treze anos depois, graças à internet, descobriu que ele a havia traído", "Acho que muita coisa vai acontecer com vocês, você leu o horóscopo?".
Assim não parecem advertências, porém ela sabia que eram, o horóscopo dos dois era o mesmo, nasceram na mesma data, com dois anos de diferença.
E esse mesmo horóscopo dizia que nesses tempos Leão passaria por muitas turbulências no relacionamento a dois, por conta de tentações. No âmbito profissional e de estudos.
E as tentações dela estavam garantidas, agora as dele, com certeza seria fácil de arranjar na nova empresa, ainda mais com o cargo que agora assumiria.
E todas aquelas músicas que ele vinha escutando sobre desamores, coisas que não condiziam com a relação deles, ou o fato de nos últimos tempos ele ser a pessoa mais carinhosa e romântica do mundo (coisa que, se ela bem lembrava, era sinal de amante, segundo as teorias da cartomante homem que quer agradar demais a mulher, o faz pra disfarçar infidelidade, e olha que não era só a cartomante que dizia, sua amigas que encontrava todo sábado no salão de cabeleireiro também, todas tinham experiência).
Ela não estava ficando louca, só precisava confirmar.
 Abriu a internet e entrou em todas as contas dele, tinha descoberto a senha (ou quase, na verdade tinha habilitado a função de salvar senhas automaticamente sem que ele soubesse), um trabalho de gênio que ela se orgulhava, agora.
Claro que no começo ela se sentiu humilhada, uma distinta mulher de seus quase cinquenta anos se prestando a esse papel de adolescente enciumada.
Ainda mais quando, depois de checar tudo, verificou que nada suspeito aparecia, nunca. Mas agora era orgulho que ela sentia por ter sido tão desconfiada, aliás, desconfiada não, prudente seria a palavra certa.
Agora ela descobriria toda a verdade, descobriria o nome da vagabunda, quem sabe não fosse uma conhecida!
 Abriu o e-mail e lá estavam cartas digitais pra uma velha conhecida que costumava habitar os sonhos mais bonitos dele.
Cartas digitais pra outra antiga desconhecida que tinha tanto em comum que como será que eles não eram almas gêmeas? Nada explícito, mas ela não precisava de fotos dos amantes trepando para perceber que já ali não era mais seu lugar.
 Sua saia apertada estava machucando, aproveitou pra jogar no lixo mais aquela lembrança dele. Saiu de casa como quem não sabe onde vai, mas decidida:
Ele não precisaria ser informado que ela sabia de tudo, por que respeitaria alguém que mais uma vez fez Marte parecer um lugar tão menos hostil? Comprou um vestido e botas novas, ligou para aquele velho conhecido.
 Quando suas mãos se tocaram novamente ela esqueceu que poderia estar enganada de novo, não pensou que seu parceiro a amava e que tinham se jurado fidelidade, não quis saber de nada só de conseguir aconchego em braços que agora - depois de tantos ainda queriam acolhê-la - se mostravam os mais fiéis e seguros braços pra se viver.
 Não atendeu o telefone quando ele ligou, mudou de apartamento e ele nunca chegou a saber porque ela foi embora.

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

SP/DF, DF/SP.

Brasília tem esse ar quente e duro que entra na sua carne e fica lá, entre pele e carne.
Tem essa falta de medo de encontrar quem quer que seja porque eu não conheço ninguém aqui que eu deteste, não conhecer as pessoas muito bem é uma dádiva.
Tem esse trânsito ordenado e um barulho calculado por quem projetou a cidade, meticulosamente cheia de falhas. Falhas de todas as outras cidades porque no final das contas, as tripas são as mesmas, os cheiros são os mesmos, os mijos estarão lá.
Toda grande cidade é uma repetição mal feita da primeira grande cidade, ou da segunda.
Brasília é boa porque não tem aquelas junkies paulistanas que eu tanto desprezo, mas é pior, porque tem as junkies brasilienses, que além de junkies fingem qualquer ideologia a respeito disso, esbanjando uma arrogância burquesa de se largar as tripas na cara de qualquer uma delas, que compra roupas hippies em lojas de grife. Tem essas garotas feias em todos os lugares, tantas garotas feias que dá saudade de São Paulo.
Mas aqui tem as comerciais, sempre pertinho e tem Champs-Élysées disfarçada de rua comum, cheia de ratos e escorpiões, mas os ratos daqui são melhores que os ratos de lá.
Os ratos daqui são selvagens no sentido não desbravado da palavra, são selvagens que constroem suas tocas e ainda tem grama de sobra.
Aqui tem grama e macacos nas ruas e a eminência de uma capivara por aí, eu não estou acostumada com bicho na cidade, não estou não.
E eu gosto dos bichos daqui, gosto da grama e da possibilidade de fazer uma guerra de bexigas em qualquer quadra, como bem entender porque eu posso e posso nessa terra fingidamente litorânea, sem minhas montanhas que são São Paulo circundando o vale inteiro, nessa cidade de brisa e torneira litorânea eu posso andar descalça e deitar no chão. Posso trepar nas árvores e comer frutas, se eu quiser.
Brasília é uma cidade do interior disfarçada de capital do país. Quem diz isso nem sou eu, brasilienses dizem isso, dizem isso com freqüência e sem lamento porque é como as coisas são.
Brasília é uma cidade de funcionários públicos, pessoas com gravatas.
De porteiros e empregadas, pessoas desleixadas, pobres, serviçais, todos serviçais que vem de outras capitas, que migram atrás de dinheiro e não sei se acabam melhor ou pior que lá.
Aqui é a cidade onde mora meu amor, mas meu amor mora por enquanto, um dia a gente volta pra São Paulo, porque amar Brasília é bom, mas eu sei que São Paulo é o meu lugar.

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

For the record.

- Você não quer fazer um café pra mim?
- Faço sim.
- For the record..
- Depois disso eu preciso trabalhar.
- Ok.
Pra que conste você e você, você não 'tá sozinho.
Sabe "My name is Earl" e a lista de coisas erradas que ele fez?
Eu deveria ter um lista de "pessoas que magoei", mesmo quando não fiz coisas erradas, mesmo quando estava só tentando fazer o certo.
E o que mais dói é saber que eu viro uma cicatriz pra essas pessoas, cicatriz que por vezes dói e nessas vezes elas me procuram e procuram saber o que se passa.
E nesse momento se passa o seguinte: Eu lembro de cada pessoa que eu já magoei na vida.
Tinha essa garota na escolhinha, eu tinha 3 anos e ela também.
Ela era gorda e eu era gordinha.
Um dia nós tínhamos que nos pesar, acho que eu pesava 18kg e ela 23kg.
Como todo mundo pesava menos de 20kg ela foi motivo de zilhões de risadas. Eu apontei e a ridicularizei, porque na verdade eu estava aliviada por não ser a mais gorda de todas.
Ela me disse que era porque ela estava de blusão e eu disse que o blusão era leve, ela ficou com aquela cara de quem está segurando choro e disse que não tinha problema porque ela ia emagrecer um dia, mesmo.
Eu ainda me sinto mal.
E também por você, todos vocês que, de uma forma ou outra eu machuquei, decepcionei, fiz chorar. Vocês criam expectativas que eu não estou apta a corresponder e por mais que eu avise vocês insistem em continuar.
Acho que, como diria Dwight, minhas bochechas sobressalentes inspiram confiança e algo a mais.
Eu faço tudo que eu posso para ser a melhor amiga e geralmente eu consigo, mas quando eu falhar não considere pessoal, eu sou humana e erro.
O tempo todo.
Então desculpa, todos vocês que eu machuquei (principalmente as pessoas que sofreram e/ou sofrem por amor, sinceramente) eu nunca, nunca tive a intenção.
Mas agora só sigamos as nossas vidas, digo, eu adoraria manter nossa amizade, se for possível, se não confundir mais, se não doer.
Sinceramente,
A Direção.

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Guia prático: Como não desenvolver uma úlcera graças à má conexão.

Eu, na minha longa jornada nerd cibernética, já passei por poucas e boas.

Sabe quando trava tudo e você estava no meio DA conversa com aquele guri gatinho que FOR GOD SAKE é de Sâo Paulo nem posso acreditar?

Ou você tem idéia de um reply GENIAL, naquela pessoa cheia dos seguidores legais e em CAI A MERDA DA CONEXÃO e nada no mundo - você tenta vela, tenta amarração pro amor, umbanda, os padre, sua mãe, chama o técnico – faz ela voltar e quando volta todo mundo só ta falando de torrada com nutella?

Então, galerinha, situações como essa ~~ou coisas bem menores apenas queria checar meu e-mail Deus é pedir demais eu sou boa ajudo os ceguinho~~ nos fazem desenvolver sérios problemas, problemas graves, tipo: ~~GASTRITE NERVOSA~~ e depois que você fica velha e vem as ruga sua gastrite digievolve para ~~ÚLCERA~~ e tudo por causa dessa belezinha de computer que tu tanto ama e dedica tantas horas da sua atenção, amor, carinho, lealdade e até dá comidinha – eca teclado nojento, brinks gente o meu é limpinho juro.

Durante muitos anos eu procuro uma cura para esse terrível mal que afeta a nós todos e até hoje minhas soluções mais brilhantes eram:

Livro: que não é bom suficiente pois ou você se concentra tanto no livro que esquece da internet e sua lealdade vai por água a baixo ou você fica com um olho no peixe e outro no gato não resolvendo nada e ainda te deixando frustrado porque leu umas 50 páginas por cima e vai ter que reler tudo.

Desenho: Que é a mesma do livro, ou você se empolga e faz logo um guernica ou sai fazendo merda e gastando lápis e papel.

Joguinhos no celular: coisa que todo mundo sabe que enjoa em 40 segundos.

Vídeo-game: coisa que todo mundo sabe que não vai largar pelas próximas oito horas então baubau computador, amigos, paqueras, piadas, em resumo: adeus vida.

Ou seja, durante quase dez anos de internê eu vim fracassando miseravelmente em achar uma solução que me mantivesse atualizando as conexões de rede e conseguindo fazer algo que me divertisse.

Eis que de repente e não mais que de repente a solução VOA em minha face!!!!

Não, gente, nada de pássaros. Eu apenas estava lá na minha e veio o CROCHÊ – lhe fazer mal, o crochê na Ferdi, a Ferdi a afiar, ok, parei, essa música é infinita – para me salvar de todos os males e aflições.

Eu sei o que você está pensando: MINHA FILHA EU TENHO MAIS DE SESSENTA ANO, ME DIZ

Mas não é assim, meu caro, acredite!!!

Você não precisa ser uma charmosa senhorinha que faz geléia, vende paninhos e toalhinhas borbadas, além de assistir religiosamente todas as novelitas da Globo, percebam que o assunto aqui é ~~CIBERBULLYNG~~ - a.k.a. te sacanearem na internet ou seu computador te sacaneando que também é ciberbullyng - um assunto sério e deve ser tratado com respeito!!

Você está lá sofrendo as dores da perda de conexão quando o crochêzinho do seulado te chama, uma atividade calma, tranqüila, te permite manter o foco em outras coisas, prazerosa mas não ao ponto de te distrair, te tira do tédio num segundo e ~~PROBLEM RESOLVED~~ é só viver e ser feliz e todo o tempo que tu tiver que esperar você espera

Eu por exemplo estou escrevendo isso pois estou sem interne e meu crochelêt me salvou mais uma vez.

E quem sabe um dia ao invés de trancinhas feias e desconexas você num vira um Mark Ryden do Crochê e não faz isso aqui oh:

Vale a pena tentar, hein.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Um tiro e dois copos d'água.

Morrer a gente morre todo dia mesmo, não é como se a vida fosse igual ou contínua ou sequer existisse.
Viver é uma maneira que inventamos de dizer que as coisas continuam parecidas, apesar de diferentes, sua cara está um pouco mais velha e magra, mas ainda se parece com a de ontem, seu trabalho te irrita um pouco mais, mas fica no mesmo prédio.
É como aquele velho dilema do tempo em que alguém muito parecido com você está nesse mesmo espaço, só um pouco mais jovem, vivendo coisas que você já viveu, digitando as mesmas porcarias naquele velho computador.
Não é grande coisas, mesmo as grandes coisas. Até porque o máximo que a gente faz é continuar obedecendo as leis da física e nossas necessidades fisiológicas, que não são tão lógicas, se a gente parar para avaliar.
Você já se olhou no espelho e viu outra pessoa?
Imagina que horrendo seria, por mais que essa pessoa fosse mais jovem, mais bonita ou mais magra. Imagina o seu desespero.
Nesse caso você beberia uma água com açúcar e esperaria o sonho acabar ou se daria logo um tiro?
Ou você consideraria mesmo continuar vivendo sem que ninguém te reconhecesse ou acreditasse em você?
Imagina sua mãe acordar e dar de cara com uma estranha no quarto da filhinha dela. E seu irmãozinho desesperado, sem entender nada?
As coisas poderiam ser assim se não fossem como são, se você acreditar nisso, acreditar que um dia isso acontece, deve mesmo acontecer.
Como quando a Marininha jurava que morreria atropelada por um carro vermelho na esquina da nossa casa quando completasse exatos 15 anos. Ela não morreu desse jeito, graças a Deus ela sequer morreu ou morrerá nos próximos 80 anos, mas isso porque eu tratei de acreditar em contra partida que nós duas jogaríamos tranca e comeríamos pizza aos domingos quando tivéssemos nossas famílias e tudo mais.